Por Andrea Pereira, médica nutróloga
Publicado em 4 jan 2022, 10h30
Um aspecto crucial no prognóstico do câncer é a massa muscular, sendo maior nas mulheres, os idosos, os diabéticos e as pessoas com obesidade. À medida que envelhecemos perdemos massa muscular, porém essa perda se inicia, geralmente, aos 30 anos, quando começamos a perder 3-5% da massa muscular por década de vida, chegando aos 80 anos com 15-25% a menos de músculos quando comparado aos 30 anos.
Quando ocorre uma perda de massa muscular ainda maior do que o esperado pelo envelhecimento associada a queda de funcionalidade temos a sarcopenia, cuja definição do grego é pouca carne. A sarcopenia é um fator de mal prognóstico no câncer, ela ocasiona o aumento de mortalidade, pior resposta a quimio e radioterapia, mais efeitos colaterais relacionados a quimioterapia, mais tempo de permanência hospitalar, mais complicações pós-cirúrgicas, tais como, infecções e fístulas, além de piora da qualidade de vida.
O diagnóstico da sarcopenia é realizado por métodos diagnósticos para avaliar a quantidade de massa muscular, cujos principais são a tomografia, a densitometria corporal e a bioimpedanciometria, além da qualidade muscular, avaliada pelos dinamômetros de força (Hand grip). Essa avaliação deveria ser feita ao diagnóstico do câncer e periodicamente, uma vez que a sarcopenia pode ocorrer durante o tratamento oncológico.
Dentro de condições saudáveis a produção de músculo encontra-se em equilíbrio com a sua degradação, daí fibras musculares perdidas são renovadas. Porém, no câncer devido a condição inflamatória, redução do apetite e da atividade física, efeitos do tratamento quimio, radioterápico e cirúrgico, temos uma perda desse equilíbrio e a perda de fibras musculares é superior a renovação, dando uma brecha para uma redução da massa muscular, piorando o prognóstico desse paciente oncológico, conforme dito anteriormente.
Para mantermos a massa muscular dois fatores são essenciais: uma dieta adequada, em termos de calorias e proteínas, e atividade física. O músculo depende do estímulo físico e do substrato energético, sendo a proteína o item principal. Na maioria das pesquisas nas mídias digitais sobre a melhor dieta no câncer há uma sugestão de reduzir o consumo de proteína de origem animal, principalmente a carne vermelha. Estudos tem demonstrado uma redução no consumo de proteína por pacientes oncológicos durante o tratamento levando a uma maior perda muscular.
Como falado anteriormente, há uma forte correlação entre o alto consumo de carne vermelha e prevenção de câncer, não se fala de exclusão dessa proteína, mas de uma redução no seu consumo. Porém não existem esses dados em relação a uma recomendação após a presença do câncer, por outro lado, vários estudos demonstram a importância da massa muscular no prognóstico. Portanto, a retirada da carne vermelha da alimentação, uma vez que eu esteja com câncer, não apresenta evidências científicas de melhora da doença.
O valor nutricional da proteína é determinado pela quantidade e qualidade dos aminoácidos que a constituem. Os aminoácidos são os tijolos que constroem os músculos, porém com qualidades diferentes, sendo que os de origem animal possuem uma maior qualidade para esse mecanismo estrutural do que os vegetais, segundo um recente estudo que reuniu vários experts, publicado na Clinical Nutrition. Além disso, as proteínas vegetais apresentam uma menor digestibilidade em relação as de origem animal, com exceção da proteína de soja isolada.
Esse menor potencial estrutural para o aumento de massa muscular por parte das proteínas vegetais pode ser devido a sua menor quantidade de leucina; a uma maior resistência a sua degradação no tubo digestivo, reduzindo a sua absorção, principalmente em pessoas com alterações do trato gastrointestinal, como no câncer do sistema digestivo.
Uma exceção de alimento de origem vegetal com maior quantidade de leucina é o milho, porém isso não confere um maior poder estrutural a ele. Exemplificando as diferenças das proteínas vegetais e animais, podemos comparar 100 g de bife de carne vermelha com 100 g de feijão, eles contêm, respectivamente, uma relação de densidade proteica/% de proteína, 33g e 8g.
Mensagens finais do estudo:
1. A necessidade proteica de pessoas com câncer é maior do que de pessoas saudáveis;
2. As proteínas de origem animal fornecem mais estímulos para o aumento muscular do que os de origem vegetal;
3. Uma combinação de proteínas de origem animal (65%) e vegetal (35%) parece ideal para a saúde muscular e evitar a desnutrição durante o tratamento do câncer;
4. A eliminação de proteínas animais da dieta não é uma mudança nutricional recomendada a ser seguida durante o tratamento ativo do câncer;
5. Dietas veganas ou vegetarianas planejadas e balanceadas por um profissional da área de nutrição, com alto e adequado consumo de proteínas vegetais, podem manter a massa muscular durante o tratamento do câncer;
6. Argumentos de que alimentar o doente é alimentar o tumor não tem evidência científica, por isso não devem ser seguidos.
Concluindo, a saúde muscular auxilia no tratamento do câncer e deve ser priorizada durante todo esse processo e acompanhada por profissionais especializados.
https://saude.abril.com.br/coluna/com-a-palavra/o-papel-das-proteinas-durante-o-tratamento-do-cancer/
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