Picolé de pipoca, cerveja de marshmallow: por que misturas inusitadas fazem sucesso no Brasil?
- Dra.Andrea Pereira

- há 31 minutos
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Inovação constante e combinações incomuns abastacem lançamentos de alimentos e bebidas do pais
Helen Carnieri - Valor Econômico
A cerveja Antonina, da Way Beer, tem sabor que remete à bala de banana da cidade paranaense. Basta uma passada com um pouco menos de pressa no supermercado para perceber a quantidade enorme de lançamentos de novos sabores de velhos produtos. Salgadinhos, refrigerantes, chocolates e biscoitos são os recordistas. As essências de pipoca, pistache, cebola e salsa, limão siciliano e cheesecake lideram as inovações, que lotam as prateleiras.

Entre o público-alvo está a estudante de 23 anos Maria Eduarda Borges Pedro, moradora de Santa Maria (RS). "Normalmente eu compro coisas que eu já conheço, porém com um sabor diferente. Sempre que eu vejo um macarrão instantâneo, um refri, uma bolachinha, qualquer coisa diferente, me desperta a curiosidade, e eu fico com muita vontade de provar."
Algumas apostas dos fabricantes são consideradas ousadas até por eles próprios, e chegam em edição limitada, num período de teste. O público brasileiro, porém, costuma surpreender. Não é raro o produto entrar para o portfólio perene da marca, devido à boa aceitação do novo sabor.
A ideia veio da fabricante da bala, após um lançamento anterior da Way Beer, a Banana Sultana, criada a partir de banana-passa, em parceria com a cervejaria Buxton, do Reino Unido.
"A resposta do público superou nossas expectativas e mostrou que havia espaço para ela no nosso portfólio permanente", conta Alessandro Oliveira, fundador e mestre cervejeiro da Way Beer. "Nossos testes de aceitação de um novo sabor começam com pequenos lotes produzidos em escala-piloto, que são apresentados em eventos ou em pontos de venda estratégicos. A receptividade do público nesses momentos é fundamental para decidirmos se vale a pena escalar a produção e incluir o rótulo no portfólio."
"A inovação é um fator essencial no mercado de bebidas brasileiro. O consumidor tem se mostrado cada vez mais curioso, exigente e aberto a novas experiências sensoriais. Mas inovar não significa apenas criar sabores inusitados, e sim buscar conexões culturais e valorizar ingredientes regionais", diz Oliveira.
"Psicologicamente, somos estimulados desde cedo a associar a comida ao prazer, à comemoração e à afetividade", afirma Andrea Levy, psicóloga e cofundadora da ONG Obesidade Brasil. "Além disso, vivemos numa cultura onde experimentar é valorizado: seja com novos ingredientes, formas de preparo ou sabores inusitados, como cachaça de banana ou brigadeiro de capim-santo."
Ainda na seara da cerveja, a Bastards, de Curitiba, em parceria com os paulistanos da Juan Calota, uniu a cerveja forte do tipo triple IPA com marshmallows doces. A alusão à comida de criança pode enganar, pois o resultado saiu com 9% de teor alcoólico (o normal é entre 4% e 6%), numa bebida intensa de lúpulos e baunilha.
"O nosso processo de criação se assemelha muito ao de um chef de cozinha. A gente pensa primeiro no produto final, como o chef pensa no prato pronto, e depois vai desconstruindo até entender os ingredientes e o caminho pra chegar lá. Na Max Mallow, queríamos uma cerveja com alto 'drinkability', teor alcoólico elevado, corpo e amargor limpos. Para alcançar isso de um jeito inusitado, usamos marshmallow como fonte de açúcar, ao invés de depender só do malte. A Max Mallow é um small batch, um lote pequeno de produção sazonal. A gente faz praticamente uma vez por ano, e ela sempre gera bastante expectativa no público. Neste ano, ela será relançada no segundo semestre", diz Francisco Guernieri Seegmueller, cofundador da Bastards.
Nas prateleiras sem álcool, a inovação também é chave para manter-se em dia com o público, ávido por novos sabores. Assim surgem desdobramentos de produtos já existentes, como a Fanta Caju, fruto originário do Nordeste brasileiro.
"Este lançamento reafirma nosso compromisso em oferecer experiências únicas e surpreendentes para o paladar dos consumidores e está disponível em regiões selecionadas do mercado brasileiro", diz o diretor de marketing da Coca-Cola Brasil, Ted Ketterer.
"O brasileiro é um povo muito curioso e aberto à experimentação, mas também muito regionalista. Há sabores dos quais não abre mão, especialmente nas regiões com exemplos peculiares e que representam uma comida de conforto, familiar", diz Néli Pereira, pesquisadora e autora do livro "Da botica ao boteco".
Ela lembra que uma marca de macarrão instantâneo lançou recentemente os sabores cuscuz nordestino, pão na chapa e omelete, numa tentativa de se identificar com o gosto nacional, associar-se à comida de conforto e até ampliar vendas para outras ocasiões de consumo, como o café da manhã.
Outras apostas regionais incluem a água saborizada sabor gengibre, assim como o refrigerante de maçã-verde, ambos da marca paranaense Cini. " A inovação pode ser um sabor novo, uma embalagem especial ou até uma homenagem a alguma data marcante. A ideia é criar algo único, que desperte aquela vontade de experimentar antes que acabe. Além disso, é uma forma de testar novidades e entender as preferências do consumidor", diz Nilo Cini Júnior, diretor da marca.
A descrição cai como uma luva para Maria Eduarda, sempre pronta a experimentar as novidades do supermercado. Ela cita como exemplo a dobradinha do biscoito Oreo sabor Coca-Cola e da bebida Coca sabor Oreo, lançamento em que as marcas brincaram com a ideia de "melhores amigas". Maria só gostou da segunda opção, que trouxe um toque de baunilha ao refrigerante.
"Antes de chegar ao mercado, essa e outras edições passam por rodadas extensas de testes sensoriais e avaliações de aceitação, tanto quantitativas quanto qualitativas", afirma Ketterer, da Coca-Cola. "Para que um novo produto seja mantido em linha, ele precisa atingir determinados indicadores de desempenho, como vendas, recorrência de compra e engajamento do consumidor."
Os sabores de lanchinhos em alta no momento apelam ao exótico, como o pistache, ou repaginam algo tão simples como a pipoca. Além da pipoca gourmet coberta com todo tipo de doce ou salgado, em pacotinhos de alta durabilidade, a essência de sabor "pipoca" agora é agregada a picolés, chocolates e até xaropes para drinques.
Ao lado do caramelo salgado, que está em todas, o pistache faz uma invasão: se antes ficava na seção de frutas.
Dra.Andrea Pereira, médica nutróloga e cofundadora da ONG Obesidade Brasil, explica: "Para o ser humano, a alimentação não se resume a uma necessidade fisiológica. Ela é influenciada por fatores econômicos, sociais, religiosos, psicológicos, culturais e pelo marketing."



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